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Quando o trabalho faz todo o sentido…

Como muitos de vocês já sabem, a minha história profissional esteve integralmente voltada à prática clínica. Nunca me interessei em estudar as organizações e as relações que fazem parte do mundo do trabalho. Nem nos momentos em que fiz, ou que ainda faço parte dele, me sinto provocada a pensar sobre essas questões. Mas preciso confessar, que sempre me surpreendeu o fato das pessoas passarem a vida assustadas com a possibilidade do desemprego, a ponto de viverem em constante estado de sobressalto, desespero e, por vezes, desânimo e desesperança.

É claro que, por várias vezes, me senti triste por ter que me despedir de um projeto, de um trabalho ou de um emprego. E o mais interessante de tudo isso é que o pesar sempre esteve presente, independentemente dos motivos e de quem estava propondo o rompimento. Até nos momentos em que a ruptura foi provocada por mim, a sensação desagradável de comiseração, remorso e pena estiveram presentes.

Lembro-me bem da minha alegria quando conquistei o primeiro emprego. Com ele eu teria recursos financeiros para realizar o meu sonho profissional: ser uma psicóloga clínica da infância e da adolescência. O sentimento de realização tomava conta do meu ser. Sentia-me feliz por reconhecer que minhas escolhas tinham um significado pessoal. Não era apenas um trabalho. Era a construção de um projeto de vida.

Assim que terminei a minha formação, reconheci que precisava dedicar meu tempo para exercer a atividade profissional que tanto desejava. Sem titubear, apesar de pesarosa, decidi me despedir do meu primeiro emprego para continuar o projeto. Eu não tinha dúvida de que ele já tinha cumprido a sua missão na minha vida. Daí em diante, dediquei a minha vida profissional à realização de um projeto que transformou a minha vida e o meu jeito de estar nela.

É por isso que, diante de pessoas que vivem um sofrimento psicológico intenso diante do fim de um contrato de trabalho, eu me pergunto: por que a relação com o trabalho gera stress, depressão, ansiedade e síndrome de pânico, entre outras aflições? E a resposta que eu encontro é: porque a atividade profissional é vista pela nossa sociedade como a única fonte de dignidade, capacidade e honestidade.

Se, por um lado, a presença do emprego nos garante o valor, a subsistência e a aquisição de bens materiais, por outro lado, viver do trabalho nos coloca em uma posição de fragilidade, desamparo e apreensão perante as instabilidades do mercado e das possibilidades de mudanças no rumo profissional.

Infelizmente, deixamos de ser produtores de nós mesmos para nos transformar em objetos do trabalho e, com isso, passamos a considerar nossas atividades profissionais com um castigo, uma punição, um fardo, uma carga ou, ainda, um incômodo necessário para manter viva a chama dos bens materiais. O problema é que sem ele nos sentirmos sem valor e sem merecer o respeito e o reconhecimento do outro. Sem ele, viramos nada.

Puxa! Como dói perceber que reduzimos toda a potencialidade humana a uma jornada de trabalho, a um salário no final do mês, a espera de um 13º salário e aos 30 dias de férias. Quanto sofrimento por tão pouco! Será que vale a pena? Eu acredito que não. Afinal, estamos todos sofrendo. Sofre o desempregado por não ver perspectiva, sofre o empregado pelo medo de perder o emprego e sofre o patrão por não sabe se terá dinheiro para arcar com seus compromissos no final do mês.

Em plena crise do capitalismo, o que vemos é uma perda de significado do trabalho e a necessidade de construirmos uma nova relação com a nossa produção. Uma relação que integra o trabalho à vida como um todo, plenamente vinculada aos planos e projetos pessoais. Estamos diante da possibilidade de transformar o nosso trabalho em fonte de realização pessoal e de preenchimento da vida. Eis uma grande oportunidade para utilizarmos a nossa capacidade criativa para inventar um novo padrão para os velhos padrões e, com isso, garantir a realização e identificação com o que faz, sendo reconhecidos por isso.

Não tenho dúvida de que o trabalho faz com que nos sintamos úteis para sociedade e dá um senso de propósito para vida. Mas para que não ficarmos reféns do trabalho, vamos precisar aprender a desenvolver atividades profissionais cujo significado intrínseco garanta uma existência independente da relação com qualquer significado extrínseco.

Eu acredito no impossível. E você?

Anita Bacellar

Anita Bacellar

Responsável Técnica, CRP 12/01329

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